Eu estaria sendo hipócrita se dissesse que não havia escolhas.
Sempre há escolhas. E quando elas são feitas, deve-se encarar as conseqüências de frente, doendo a quem doer.
Eu nunca havia visto as coisas desse modo. Sempre havia sido uma questão de vingança para mim. Humilhá-lo. Destruir a sua perfeita reputação. Manchar o sobrenome Lancastre.
Mas então o mundo veio abaixo. Minhas convicções vieram abaixo.
Com a morte dela.
— Não acredito nisso. — Miguel murmurou ao meu lado. Nós dois havíamos cercado o outro lado da ponte, e o vento nos atingia com força, batendo nos sobretudos pretos.
— O que? — Perguntei, olhando para frente. Lá estava ela com seus cabelos ruivos e risada infantil, acuando mais um mediador. Eu sabia muito bem os motivos, mas sempre preferi fingir que não. Eu não tinha mais nada a ver com a Academia Búlgara. Eles que cuidassem de si mesmos.
Eu nunca voltaria.
— Agora ela está atacando crianças. — Ele disse, sua voz falhando. — Aquela garota é só uma menina. — Respirou fundo. — O mediador não vai conseguir protegê-la de todos nós.
— Sobre quem... — Comecei a perguntar, mas então uma menina de cabelos castanhos correu pela ponte, vindo em nossa direção. Ela tinha o cabelo castanho liso demais para ser artificial, e olhos ambarinos. Era uma vampira. Uma vampira assustada.
Uma menina assustada.
— Áquila! — Amanda gritou quando ela correu, e eu sabia que Áquila estaria sobre a ponte nesse momento, correndo silenciosamente para dar o bote na menina.
— Maxim! — Miguel gritou. — O que pensa que está fazendo?!
Eu não sabia que havia me mexido até Miguel gritar. Mas mesmo, eu sabia o que ia fazer.
— Uma escolha.
Capítulo 1, Dampiro
Eu olhei a academia pelo pára-brisa do sedã prateado.
Não havia sido uma decisão minha, mas ainda assim parecia o certo. Era o certo.
Remexi a minha pulseira prateada. Respirei fundo. Fazia quanto tempo desde que freqüentei uma escola? E agora eu ia começar de novo. Graças àquele maldito caçador e sua horda imbecil.
— Uma vampira de noventa e cinco anos está com medo de uma academia? — Tomás perguntou com um leve sorriso enquanto desligava o carro.
— Na verdade estou pensando no porquê daqueles hipócritas existirem. — A minha mandíbula trincou. Eu queria ver um Rosa Negra. Eu queria quebrar a cabeça de um deles.
Tomás riu.
— Minha bela, sempre haverá os inimigos, já devia ter te acostumado.
Às vezes eu me esquecia que Tomás era muito mais velho que eu; sentia-me à vontade ante a ele.
Olhei para o meu pai.
Cabelos pretos, altura mediana, e olhos cinzentos que havia herdado da mãe finlandesa. Fora isso, era um legítimo Vaz português.
— Como era antes, Tom? — Eu perguntei voltando o olhar para as gárgulas assustadoras do teto do edifício principal.
— Bem, sem tecnologia nós nos jogávamos aos instintos...
— Não. — Interrompi. — Antes dos dampiros. Como os Rosas Negras eram destruídos?
— Melissa, eu fui seu criador, não me peça para deixá-la sem proteção. — Tomás disse firmemente, mas sem elevar o tom de voz.
— Eu vivi noventa e cinco anos sem proteção. — Quase rosnei para ele.
— Isso foi um erro meu. Devia ter te posto na academia logo depois que tu aprendeste a controlar a própria força. Agora vou reparar esse erro. Chega de caçadores de vampiros atrás de ti. Chegaram perto demais mês passado, não vou correr riscos.
Eu olhei para ele. — Mas...
— Não, Melissa, já discutimos isso incontáveis vezes, e tu sabes que é o certo. Agora desça do carro e vá para a academia Búlgara.
Abri a porta, teimosamente, e me preparei para fechá-la com mais força do que o necessário, um sinal do inconformismo.
— Aliás, minha bela, cuide-te, eu te amo. — Ele disse ternamente.
Desmanchei-me, como sempre. — Amo você, pai. — Fechei a porta devagar.
Fiquei olhando-o se afastar pela rodovia pavimentada. Suspirei. Academia Búlgara. Que por sinal ficava em Santa Catarina, Brasil. Bravo para quem escolheu o nome assustador.
Minhas coisas já haviam sido despachadas para cá. Olhei o imponente prédio antigo. Na frente havia uma fonte de água cristalina com a estátua de um anjo.
Irônico.
O jardim estendia-se por toda a fachada e eu não era a única chegando. Duas meninas vampiras, uma loira e a outra ruiva, entravam pelo grande portão principal enquanto eu vi homens - ou garotos, caras, eu sei lá como chamar dampiros em treinamento -, musculosos e de cabelos curtos, praticamente idênticos, passando pela entrada, reunidos num grupo bagunceiro.
Ah, ótimo. Isso ia ser maravilhoso.
Com sarcasmo apurado, eu marchei para a Academia Búlgara à procura de um dampiro.
Continua...